ADEUS, D.

Procurei pela nossa conversa no celular,
há meses de distância
– e esse tempo todo minha inteligência esteve ao teu serviço,
produzindo ruas, cidades em que colidimos
e te convenço que, da primeira vez, nos enganamos;
em que atravessamos em direções opostas a mesma faixa de pedestres
e tu me enxergas sem desvios,
e se levanta das nossas fronteiras um convulso idioma,
há anos à espera de que nos víssemos de novo nascendo um pro outro
para romper as barragens dos nossos dentes
e reverberar os ventos que perfuram minha cama na tua ausência –
e vi tua foto
e, logo abaixo,
uma frase para avisar que segues amando outro
e o teu rosto rompeu,
de repente tão avesso e abrupto,
como se eu nunca tivesse me lembrado dele nesses anos que se passam;
e o teu rosto me afastou
até o extremo de uma nova obviedade:
ter te amado
porque eu nunca tinha amado.
Então minha inteligência se rebelou,
esmagou com as asas todas as vidas que inventei para sermos possíveis,
demarcou uma nova fronteira
e partiu
para outro país
em que nada tem teu nome.
REFLEXÕES DURANTE UMA ORGIA

“Que imagem estás procurando?”, Renata me perguntou
quando contei a ela que eu não sabia quantos homens tinham me fodido em algumas noites.

Era muito comum não saber o que fazer com o meu corpo,
então eu o entregava para uso dos outros:
nunca faltam homens dispostos a usar.

Eram látex, sal, calor, cerveja e pó
- desde o começo exaustos
e comprometidos em esgotar os músculos,
cultivando os espasmos,
esmagando o raciocínio,
um idioma reduzido

“mete”
“abre”
“rasga”
“come”
“mata”
“derrama”
“engasga”

- as outras palavras, insuportáveis;
e, para mim,
nenhuma prestava:
era vontade, urro e raiva

- um ou outro homem me puxava pelos cabelos e,
os dentes esfregados na minha nuca,
as mãos crispadas na minha bunda,
gemia doce: “calma”.

A imagem ia ficando mais clara,
densa e pura.

Geralmente eu os estapeava
e eles, resignados,
entravam

urro
raiva
mais
tudo

“calma”
“qual o seu nome?”

A imagem se perdia:
um deles, sempre o assustado, me trazia de volta
e eu voltava,
calmo,
mais solitário,
lambendo as feridas de cada um

e dormia assim
- a boca mamando as peles rasgadas
com as unhas afiadas de quem eu não posso ser.