Dia 10

Quando acordei, janela aberta, um vento frio de madrugada umedecia o quarto. Levantei e constatei a partida. Olhei para baixo e uma longa fila de formigas seguia em direção à porta, e de lá para a sua colônia, que vibra embaixo dos meus pés. Tentei sentir um terremoto, mas logo entendi que eu já estava imaginando. As formigas infestam a casa há anos, resistindo a cada catástrofe que meus passos em círculo devem representar para a rotina do formigueiro.
Dia 9

Não posso pendurar nada nas paredes – estão ocas. Meus quadros e fotografias ficam todos pelo chão e, atrás deles, se escondem baratas e osgas. Observei bem as lajotas e o rejunte está desaparecendo. Todos os dias, varro os restos de concreto e telha para fora. Hoje de manhã juntei em uma pá vários pedaços do teto, coloquei em uma sacola plástica e deixei na cozinha até que os insetos apareçam e coloquem suas larvas nesses restos de barro.
Dia 8

Lavei a louça acumulada de um mês. Dentro do filtro da cafeteria florescia um fungo rosa. A borra de café caiu em placas dentro da pia. Abri a torneira e observei a espuma que a água corrente foi formando, misturada ao café, aos fungos e a alguns pedaços de formigas afogadas. Deixei a mistura transbordar um pouco, mas quando senti o cheiro daqueles dejetos tirei o pires que tapava o ralo e esperei até que tudo desaparecesse em direção ao esgoto.
Dia 7

Joguei detergente em todos os cômodos até sufocá-los com o cheiro de lavanda. A porta e a janela não são mais fechadas. Ainda assim, poucas pessoas aparecem. Posso ouvir os amigos cozinhando, assistindo filmes, discutindo com alegria, bebendo café e se despedindo – enquanto eu fico. Quando me mudei pra cá, inclusive, me assistiram lavar o chão pela 1ª vez. Os baldes de água limpa e sabão em pó e nós aqui; juntos, distraídos – lapidando o futuro?
Dia 6

Meu pai diz que Napoleão perdeu, enquanto marchava, centenas de milhares de soldados. Não foi abandonado por ninguém. Ele também diz que em Sarajevo explodiram tudo e, por 4 anos, não foi feito nada. Depois que o café ficou pronto nos lembramos de Ruanda, dos hutus sanguinários, dos corpos. Ele tem vergonha, mas o que quer dizer mesmo é que eu cuide melhor daqui, que eu lembre de trocar as cortinas e durma melhor. Mas ele não consegue me dizer isso. Não se sente no direito. Ele olha para o nada e sussurra mais alguns números imensos.
Dia 5

Houve uma invasão. Levaram a TV e jogaram no chão todas as contas e receitas médicas. Ainda ficaram várias coisas e preciso jogar fora a maioria. Aonde quer que eu vá, encontro objetos, uns por cima dos outros. No lugar onde antes estava a TV já cresceu uma pilha de qualquer coisa. No dia em que invadiram, arrancaram fora a tranca da entrada – a encontrei sem querer, dias depois, entre os porta-retratos.
Dia 4

Faltou água em toda a cidade. Enchi alguns baldes. Horas depois, quando tomei banho, a água havia esfriado muito. O ambiente parece ter esse efeito. Menos nos corpos. Durante o banho fiquei ouvindo a água escorrendo pelos canos, e prosseguindo até chegar ao rio – misturada ao meu suor e aquecida pelo meu corpo.
Dia 3

No guarda-roupa, a camisa que minha mãe fez pra mim. É pesada, aquece e tem cheiro de guardada. Algumas fotos estavam caídas embaixo da geladeira. Empurrando o fogão, encontrei mais uma. Eu e minha mãe na praça. O dia em que ela me levou, de surpresa, para a exposição sobre dinossauros. A camisa é de ponto bem fechado, nada pode passar através dela, e tem gola canoa, para que eu possa respirar.
Dia 2

Uma vez eu sentei na mesa da sala e chorei. Outra, alguém bateu na porta às 3 da manhã, e eu não atendi. Várias vezes meus amigos vieram me ver aqui, e eu não estava. Quando eu esperava por alguém, deixava a porta escancarada, porque eu não queria perder tempo destrancando o cadeado. Também já perdi a chave e fiquei preso do lado de dentro. As coisas aqui silenciaram, então estou indo embora.
Dia 1







sinto saudade, mas não quero nada de volta.